Há dias sentia-se atormentada pelo cheiro de pólvora queimada. Principalmente quando Pedro chegava do trabalho: precisava sair para o quintal em busca de ar. O marido não deu muita atenção, coisa de grávida, ia passar. “Você nem sabe como é cheiro pólvora, Lia!”. Sabia sim, pensou, mas não disse. Na manhã do terceiro dia estava decidida a encontrar a fonte daquele cheiro. Despachou as crianças para escola, despediu-se do marido e começou a busca. Esquadrinhou cada canto da casa, armário por armário, gaveta por gaveta, caixinha por caixinha. Vasculhou também o quintal, o quartinho de ferramentas, a garagem. Já abria o portão para ir pedir a escada da vizinha e subir no telhado quando desistiu. “Com esse barrigão, mulher? Cria juízo!”. Suspirou, o cheiro ainda queimando suas narinas, e resolveu retomar os afazeres da casa. Na área de serviço, ao abrir o cesto de roupas sujas, teve que apoiar-se para não cair. Encolhido como uma criança, lá estava seu marido, camisa dura de sangue, um orifício preto no meio da testa de onde subia um delicado fio de fumaça.
Um comentário:
Mais inspirada do que nunca!
;*
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