domingo, março 19

Cai o pano

O silêncio denso e as conversas mastigadas de tom monocórdico. As pessoas desconfortáveis como se subitamente sumissem os bolsos das calças e ninguém mais soubesse onde colocar as mãos. O constrangimento dos mais jovens sem a menor intimidade com os ritos de morte (pudera, são jovens). Os vários olhos espiando por cima dos óculos escuros quem mais chegava.

Mas nenhuma velha senhora resadeira a puxar um terço interminável. Nenhum pedestal com velas de cheiro detestável. Nada de rostos vermelhos e inchados. Nenhum grito ou gemido. Uma missa leve e para cima, na medida do possível. O caixão claro e despido (azul e amarelo). Até as flores discretamente dispostas numa sala ao lado. Gente importante circulando. Tudo limpo. Dia claro e ensolarado. Muita luz. Estranho...

Não me lembro dos velórios de minha infância dessa maneira. Ou eu era muito impressionável, ou então os costumes diferem muito mesmo de uma cidade para outra. Achei até que a família não era católica até ouvir o diácono falar em Nossa Senhora de Fátima. Tudo tão insípido...

No entanto, o mais estranho de tudo: eu chorava. Não pela família, que mal conhecia. Não pela defunta de quem não vi nem a cor dos cabelos. Eu chorava eu mesma. Chorava minhas tatuagens cobertas, meu cigarro trancado na bolsa, meu respeitoso silêncio, minha falta de maquiagem. Se pudesse, correria para me esconder, envergonhada, na coxia.

3 comentários:

Rafael Rosa disse...

Nossa.
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